A Dama da Candeia – Florence Nightingale

A Dama da Candeia – Florence Nightingale

 

12 de Maio de 1820, Florença, Itália ; 13 de Agosto de 1910, Mayfair, Londres.

Florence Nightingale nasceu em 1820 em Florença, e o local de nascimento determinou o seu nome próprio,tal como já tinha acontecido com a sua irmã mais velha, a quem os pais deram o nome de Parthenope, que nasceu em Nápoles, e que ficou com o nome da sereia que, segundo a mitologia, fundou a cidade. Nasceu no seio de uma família abastada, com gosto pelo conhecimento e cultura e que todos os anos tirava vários períodos para viajar pela Europa.

Registo de nascimento de Florence Nightingale

A educação das duas irmãs foi feita em casa, em grande parte à responsabilidade do pai, que lhes ensinava as línguas clássicas e modernas, história e filosofia. O ensino de pintura e música estava entregue a uma preceptora.

Na adolescência manifestaram-se diferenças significativas entre as irmãs. Florence, mais próxima do pai, com quem passava longas horas na biblioteca, dedicando-se ao estudo dos clássicos, mas também da matemática, que lhe viria a ser útil no futuro para os seus trabalhos de planeamento e estatística. Parthe, a irmã, mais próxima da mãe, com quem partilhava o interesse pela pintura e pela jardinagem.

Durante as férias que passava com a família, Florence manifestou desde muito cedo interesse em visitar locais de assistência: hospitais, hospícios, casas de acolhimento de órfãos, e aí procurava inteirar-se dos problemas e saber das dificuldades que se colocavam à manutenção dessas instituições.

Há um acontecimento muito importante para ela, e que pode, pelo menos no que diz respeito à sua vocação para auxiliar os mais necessitados, explicar muito daquilo que vai ser o seu percurso. Em 1837 descreve uma experiência mística que ela mesmo comparou com aquela que foi  sentida por Joana D’Arc. “No dia 7 de Fevereiro Deus falou comigo e chamou-me para o Seu serviço”. Este tipo de experiência viria a repetir-se ao longo da sua vida em três ocasiões: em 1853, antes de entrar para o Hospital dos Pobres, em 1854 antes da partida para a Crimeia e em 1861 quando morreu Sidney Herbert, seu amigo pessoal, que tinha desempenhado os cargos de Secretário da Guerra e das Colónias e que teve influência na sua acção e que  a apoiou em várias situações.

Em 1849, acompanhou a família numas férias pelo Egipto e Grécia. Não passou muito tempo a visitar os locais turísticos, procurando, em vez disso, como era costume em todas as viagens, avaliar as condições de vida dos mais desfavorecidos, as escolas e orfanatos, ver como eram assistidas as vítimas da sífilis e da tuberculose, quais as condições dos estabelecimentos que os recebiam, constatar as más condições de vida e a insalubridade dos lugares.

A sua primeira experiência como enfermeira aconteceu em Carlsbad, para onde a família tinha ido em férias para desfrutar das famosas termas locais. Florence aproveitou essa viagem para oferecer os seus serviços no Hospital de Kaiserwert, onde ficou três meses. A partir daqui não lhe ficaram quaisquer dúvidas do que queria fazer. Regressada a Inglaterra, em 1851 fica responsável por um albergue de caridade em Harley St. onde os cuidados eram mais dirigidos a suprir cuidados básicos de sobrevivência.

Em 1854, parte para a Guerra da Crimeia, que se tinha iniciado no final do ano anterior, que opôs o Império Russo a uma coligação em que estava presente o Reino Unido. Inicialmente eram apenas três enfermeiras que a acompanhavam mas este número vai crescer, por influência de Sidney Herbert, que a encoraja a encontrar mais enfermeiras que se possam juntar. No dia 5 de Novembro chega ao Hospital de Scutari (Üsküdar), em Istambul. À chegada depara com péssimas condições para realizar as suas tarefas: falta de material essencial e condições de higiene deploráveis, para além de alguma hostilidade por parte dos profissionais que aí trabalhavam. A sua chegada coincide com o dia da Batalha de Inkerman. Os soldados feridos eram assistidos localmente, no campo de batalha, e, posteriormente enviados através do Mar Negro até Scutari, viagem que demorava cerca de quatro dias. As condições de transporte e a gravidade dos ferimentos faziam com que um número apreciável de doentes não chegasse ao destino.

Eram péssimas as condições do Hospital. “Conheço bem alguns dos piores hospitais de grandes cidades da Europa. Mas nunca estive em nenhum cuja atmosfera, à noite, se possa comparar a este. Havia seis quilómetros de feridos, ao longo das paredes das casernas; a comida era igual para todos, grosseira e mal feita; os homens estavam deitados sobre palha, quando a havia, uns esfarrapados, outros nus, todos imundos e cobertos de piolhos. De noite os ratos invadiam tudo e ninguém acudia aos gritos dos feridos”. Era assim que Florence descrevia o Hospital Barrack de Scutari. E continuava: “Não há camas, as roupas são de lona grosseira, as garrafas vazias servem de candeeiros, não há bacias, toalhas, sabão, vassouras, esfregões, facas, garfos, colheres. O suprimento de combustível é deficiente e a lavagem de roupas uma farsa”. Isto levou ao seu pedido para que a lavagem de roupas individuais e das camas fosse feita no exterior. Florence denunciou a incompetência das pessoas que estavam responsáveis pela gestão do hospital, o que lhe valeu algumas incompatibilidades.

Hospital de Scutari – “Havia seis quilómetros de feridos, ao longo das paredes das casernas”

Quando partiu de Inglaterra Florence aconselhou-se com o Dr. Andrew Smith, Chefe do Corpo Médico Militar, e com Sidney Herbert, sobre as condições que iria encontrar, e que tipo de material seria importante levar consigo. Foi-lhe dito que não teria necessidade de se preocupar porque iria encontrar tudo o que necessitava. Provavelmente ninguém estava muito seguro das condições que existiam e das faltas que que iria encontrar.  Ao que parece não confiou muito nessas informações porque, na viagem, durante uma paragem em Marselha, resolveu abastecer-se com algum material indispensável. O que viria a seguir dar-lhe-ia razão.

O seu trabalho no hospital foi muito difícil. Para além das tarefas assistenciais, era obrigada a prestar contas de todas as aquisições à administração, e a elaborar todo o tipo de relatórios. Deparou-se também com vários problemas causados pelos colaboradores locais, que frequentemente tinham que ser mandados para casa, por embriaguez ou má conduta. Após as 20 horas não tinha nenhum enfermeiro de serviço, sendo o trabalho noturno assegurado por auxiliares e doentes em convalescença, sob a sua supervisão. Todas as noites fazia a sua ronda, contactando com os doentes, falando um pouco e confortando-os. Estas rondas noturnas, que fazia munida de uma candeia, tornou-a conhecida como a Dama da Candeia (The Lady with the lamp).

The Lady With The Lamp

Em Maio de 1855 decidiu que estava na hora de ajudar os soldados britânicos, na frente de batalha. Juntamente com algumas colegas foi transferida para a Crimeia, tendo, logo após a sua chegada, ficado gravemente doente por ter contraído a doença conhecida como Febre da Crimeia (Febre Hemorrágica da Crimeia e Congo). É uma doença vírica, com alta mortalidade e muito incapacitante. Conseguiu superar  esse problema grave, desenvolvendo o seu trabalho de forma competente. E em Março de 1856 foi nomeada Superintendente do Corpo de Enfermagem Feminino dos Hospitais Militares.

Pouco depois do último doente deixar o Hospital Barrack, Florence Nightingale regressa a Inglaterra, onde já era considerada uma heroína, e onde estavam preparadas cerimónias importantes para a receber. Recusou, no entanto, essas manifestações e começou a empenhar-se em trabalhar na organização dos serviços de saúde militar, no sentido de melhorar as condições de vida do exército inglês. Os seus conhecimentos de matemática e estatística permitiram-lhe fazer estudos e tirar algumas conclusões que a preocuparam.Apercebeu-se, por exemplo, que a mortalidade era mais elevada, para as mesmas condições, nos hospitais militares do que nos hospitais civis. já há muito demonstrava esta ambição de trabalhar na organização dos serviços. Aliás, para alguns historiadores, a Crimeia não foi mais do que o trampolim que lhe permitiu chegar ao seu objectivo principal: a organização dos serviços de saúde.

Em Outubro de 1856 foi recebida pela Rainha Victoria e, no ano seguinte,  foi criada a Real Comissão para os Serviços de Saúde Militares, para a qual Florence deu uma valiosa contribuição. Uma das principais consequência da acção desta Comissão foi a criação da Escola Médica Militar. Mais tarde, viria também a integrar o Departamento Sanitário da Índia, que procurava dar resposta às necessidades básicas do exército britânico, naquela colónia.

Em 1860, com os fundos recolhidos através do Nightingale Fund, criado por subscrição pública, destinado a homenagear o seu trabalho na Crimeia, funda, no Hospital St. Thomas, a Escola de Enfermagem Nightingale, uma inovação em todo o mundo e, talvez, a sua obra mais emblemática.

Enfermagem – O que é e o que não é

A partir de 1857, começa a ficar quase todo o tempo em sua casa, muitas vezes acamada, com períodos de grande prostração e desmaios frequentes. Há muito controvérsia em relação às causas da sua doença. Foram colocadas várias hipóteses desde doença neurológica degenerativa, sequelas da Febre Hemorrágica e, até, transtorno psíquico. Contrariamente às opiniões dos médicos que a aconselhavam a ter repouso absoluto, continuou com intensidade febril, a colaborar na organização dos serviços.  Nunca ficou demonstrado que padecesse de alguma doença orgânica. A sua visão começou a piorar e, em 1901, ficou cega.

Em 1907 torna-se a primeira mulher a receber a Ordem de Mérito, que lhe foi concedida por Eduardo VII.

Morreu em 13 de Agosto de 1910 em  Mayfair, Londres.

Juramento de Florence Nightingale

Bibliografia

Agostinho da Silva – A Vida de Florence Nightingale. Lisboa 1942. Ed. Autor

The New Encyclopaedia Britannica – 15ª Ed.

Lython Strachey – Eminet Victorians – The Modern Library – N.Y -1918

Cecil Woodham-Smith – The Reprint Society – London 1950

Mark Bostridge – Florence Nightingale – Penguin Books – London 2008

Imagens gentilmente cedidas por Wellcome Foundation


Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *