200 anos da primeira transfusão de sangue entre humanos

200 anos da primeira transfusão de sangue entre humanos

200 Anos da Primeira Transfusão de Sangue

Rita Filipe

António Filipe

 

Uma reportagem televisiva, apresentada recentemente, sobre as condições sanitárias da Guiné-Bissau, abordava o tema da elevada mortalidade materna e infantil, que coloca o país entre os piores do mundo nesses indicadores. Há um protocolo de colaboração com Portugal, (esse era, aliás, o motivo do trabalho), para melhorar alguns aspectos, contribuindo com material e formadores, para tentar resolver situações que se tornam incompreensíveis, nos dias de hoje. Uma médica guineense, que foi entrevistada, referia a hemorragia pós parto, como uma das principais causa de mortalidade materna. A falta de um medicamento fundamental, a oxitocina, nos hospitais, não permitia actuar adequadamente quando era necessário. A não ser que a mulher comprasse o medicamento no exterior. Ao contrário do que se possa pensar não se trata de um medicamento novo ou de custo elevado. A oxitocina foi descrita em 1954 pelo químico norte americano Vincent Du Vigneaud (1901- 1978), e sintetizada no ano seguinte, trabalho que lhe valeu o Prémio Nobel da Química em 1955.

Antigua – 2001 – Vincent Du Vigneaud

Mas as suas propriedades eram já conhecidas e o seu interesse amplamente divulgado. Entre outras, promove a contracção uterina, tendo, portanto, um papel de relevo na hipotonia pós-parto e consequente hemorragia. E em relação ao preço, saibamos todos que uma ampola custa 50 cêntimos. Claro que este problema tem outras alternativas terapêuticas, mas que também não estarão disponíveis.

Curiosamente, foi para tentar resolver um problema frequente no pós-parto, a hemorragia, causa de elevada mortalidade, que foi feita a primeira transfusão de sangue entre humanos, realizada há 200 anos.

E é sobre a história da transfusão que se pretende dar a conhecer alguns factos, não por trazerem algo de novo a um assunto muito divulgado, mas antes por ser uma forma de recordar a data e aqueles que foram introduzindo melhorias decorrentes das suas investigações, até aos dias de hoje.

Todos sabem que a transfusão sanguínea é um procedimento importante, capaz de salvar vidas, a que se recorre diariamente em todo o mundo, com elevados padrões de segurança (para as ameaças conhecidas). No entanto, e como em quase tudo o que se faz hoje e o que se sabe, é fruto de evolução, com muitos percalços pelo caminho, e sempre resultante da vontade e persistência de homens e mulheres, numa busca permanente de melhorar as condições dos seus semelhantes.

Sendo o sangue um dos quatro humores descritos por Hipócrates (juntamente com a fleuma, a bílis amarela e a bílis negra), a percepção da sua importância existe desde sempre, e a utilização do sangue como terapêutica, quer pela administração, quer pela sua extracção, encontrou adeptos e opositores ao longo da história.

Transkei – 1982 Hyppocrates 460-377 AC

No tempo dos Romanos, acreditava-se que beber sangue dos gladiadores que tinham lutado na arena, podia curar doenças e tinha poderes sobrenaturais.

Wellcome Colection – Gladiador sangrando do flanco, caído na arena.

Tanaquila, mulher de Lucius Tarquinius Priscus rei de Roma (sec. VI A.C.), a quem se atribuíam poderes místicos e proféticos, relata no seu Livro da Sabedoria, que fez transfusões de sangue[1]. Desconhece-se o que entendia por transfusão, sendo que o mais provável fosse a ingestão de sangue, e a citação não pode ser sustentada por não ser possível localizar esta fonte. No entanto o Dr. Jullien refere também outros factos que levam a pensar na hipótese de que a transfusão, ou pelo menos a tentativa da sua utilização, ser mais antiga do que poderíamos pensar.  Ben-Israel Manassé, rabino em Amesterdão conta o seguinte: “Naam príncipe do exército de Bem-Adad, rei sírio, vítima de lepra, recorreu aos seus médicos, que para o tratar, retiraram o seu sangue das veias e meteram outro”.

Apesar da oposição de Celso (25AC-50DC), mas que Galeno (130-200), mais tarde, veio a aceitar, esta crença manteve-se por muito tempo. E, tanto gregos como romanos, sabiam que a extracção de uma quantidade de sangue suficiente, leva à morte, sendo, por isso, uma forma de suicídio bastante comum, já que não envolvia a utilização de processos muito violentos.

[1] Dr. Louis Jullien –  “De la Transfusion du Sang » – Paris 1875

 

Yemen -1966 – Galeno

Da mesma forma se acreditava que muitos males estariam no sangue, pelo que, um dos procedimentos mais frequentes era a sangria, que consistia na extração de uma quantidade de sangue pelo cirurgião barbeiro, sob orientação do físico. As quantidades extraídas eram de acordo com a experiência do médico, já que era desconhecida a quantidade de sangue circulante, e, portanto, que quantidade seria seguro retirar. A sangria era um método muito comum, e que foi usado até aos nossos dias. Ainda hoje se realiza a flebotomia para retirar sangue, por exemplo, em situações de policitemia ( excesso de glóbulos vermelhos no sangue). Obviamente que deixaram de se fazer pelos mesmos motivos que levavam os nossos antepassados a realizá-las. O mesmo se passava com a utilização de sanguessugas que tinham idêntico propósito. São inúmeros os casos descritos de vítimas das sangrias. Como exemplo, podemos apontar o caso de George Washington, que em Dezembro de 1799, depois de um passeio a cavalo, na sua quinta, se sentiu mal da garganta. Foram convocados médicos que prescreveram e extracção de dois litros e meio de sangue, num único dia.

EUA – 1965 – George Washington

O estado de debilidade que se seguiu, associado às febres altas, o facto de não ter melhorado, que levou à repetição de sangria, vomitórios e enemas, levou à sua morte em apenas dois dias. Mesmo tratando-se do pior cenário possível, a difteria, acharemos razoável que os tratamentos administrados apenas terão precipitado a morte do doente. Era este o estado da arte, e convém recordar que isto foi feito a um doente que até dois anos antes era Presidente dos EUA. Logo terá sido aconselhado por médicos, que se encontrariam entre os mais sabedores, à época.

Gravura: “Les Remèdes à tous les maux » . Guerard, N. Sec. XVII

O Papa Inocêncio VIII (1432-1492) é muitas vezes apontado como o primeiro homem a receber uma transfusão de sangue. Existem dúvidas se foi, de facto, uma transfusão, tal como o entendemos, ou se se limitou a administração por via oral.  Este Papa, que teve alguns episódios controversos ao longo da sua vida, estaria muito debilitado (doença renal?). “Todos os meios para restaurar a saúde do Papa, foram em vão. Até que, um médico judeu, propôs tentar a cura, recorrendo a um novo tratamento: a transfusão de sangue. Até aí este procedimento apenas tinha sido tentado com animais, mas agora o sangue do decrépito Pontífice iria ser transfundido para as veias de um jovem, que lhe deu o seu em troca. Os três jovens que o fizeram, a troco de um ducado, perderam a vida, talvez porque tivesse entrado ar nas veias. O médico judeu fugiu e o Papa morreu em 25 de julho de 1492”[1]. Os jovens que teriam cerca de 10 anos, não resistiram, ou porque de facto tivesse entrado ar nas veias, ou porque tivessem retirado uma quantidade excessiva. Nesta época era ainda desconhecido quase tudo o que se referia ao aparelho circulatório e, portanto, não havia uma noção correcta do volume de sangue circulante. Nem todos os relatos apontam para a morte dos três jovens (o terceiro ter-se-á salvo?), e também cremos que esta é a única descrição em que diz que o Papa terá transfundido o seu sangue para os jovens.  Este acontecimento foi descrito por Giorolamo Savonarola, monge dominicano, que contestava o Papa e as atitudes da Igreja (sobretudo pela “venda” das indulgências), que viria a ser morto por enforcamento (garrote?), e queimado na praça pública em 1498 (já no papado de Alexandre VI).

Italia – 1952 – 5º Centenário do nascimento de Sovanarola

[1]Prof. Pasquale Villari – « Life and Times of Girolamo Savonarola”. Trad Linda Villari – London 1888

Este episódio levanta algumas dúvidas, sobretudo quanto a alguns pormenores. O médico em questão é referido, nalguns relatos, como sendo judeu. Tudo isto se passou nos finais do sec. XV, com a Inquisição no seu auge (tinha sido instituída em Itália no início do Sec. XIII), que tinha o apoio comprometido do Papa. Não se pode, só por isto, excluir a presença do médico judeu. Ao ver-se em estado muito grave o Papa pode ter acedido ao tratamento apesar de saber que esta atitude entrava em contradição com alguns preceitos contidos na Bíblia. Por sua vez, o médico, ao utilizar o sangue faltou aos ensinamentos e tradição judaica, já que, a proibição de utilização de sangue está nos livros do Pentateuco (Deuteronómio e Levítico), a Tora.” Toda a pessoa que comer algum sangue, aquela pessoa será extirpada do seu povo” – Levítico 7:21. Além disso poderia ser acusado de práticas heréticas e ter de prestar contas aos tribunais da Inquisição, como veio a suceder com Sovanarola. É, portanto, pelo menos controverso que se aceite esta parte da história. Mas o que o texto citado revela é que se terá tratado de uma verdadeira transfusão, e não da sua administração por via oral. Do ponto de vista religioso é mais aceitável, tendo em conta as proibições estabelecidas na Bíblia, e, mesmo em termos históricos, se fosse dado o sangue por ingestão, não seria nada de novo, já que isso sim, era conhecido desde a antiguidade.

Temos que avançar quase duzentos anos, até 1667, depois do tratamento a Inocêncio VIII, para podermos falar duma transfusão de sangue, para um humano, devidamente documentada. Antes disso, em 1628, em Itália e 1665 em Inglaterra, Giovanni Colle e Richard Lower, respectivamente, tinham feito transfusões de sangue entre cães. Mas em 1667, a 15 de Junho, Jean-Baptiste Denis (1640-1704), faz uma transfusão de sangue de uma ovelha para um jovem estudante, Arhur Coga, que apresentava algumas perturbações mentais.

Ainda sob nítida influência da teoria dos humores, parecia lógico que administrando o sangue de um animal com características de docilidade, pudesse melhorar uma pessoa com comportamento agressivo ou violento.

“Sheep to Man” (Purmann, 1705). US National Library of Medicine

Denis era matemático, astrónomo, filósofo, e exercia a medicina (fazia parte do corpo de médicos do Rei Luis XIV) um pouco como hobby, e estava mais interessado na investigação do que na clínica. Para as questões técnicas ligadas à transfusão foi ajudado por um cirurgião, Paul Emmerey, com quem trabalhou em todas as experiências feitas.

 

1667 – Philosophical Transactions – Descrição do procedimento

A transfusão correu bem, registando-se alguma melhoria, no estado do doente, o que levou a que fosse repetida em 12 de Dezembro do mesmo ano, já depois da publicação do caso, na revista Philosophical Transactions, da Royal Society of London , onde se descreve a  primeira transfusão. Esta revista é considerada a primeira revista científica a ser publicada, a nível mundial, o que nos dá a medida da importância da publicação. Denis descreve assim o procedimento: “A transfusão experimental de sangue numa veia humana foi realizada por nós da seguinte maneira. Tendo preparado a artéria carótida de uma ovelha jovem, inserimos um tubo de prata ligado a uma pena (Nota: de ganso), deixando o sangue correr para uma taça, e no espaço de cerca de um minuto, cerca de 12 onças (nota: aprox. 350 cc), de sangue de ovelha correram do tubo para a taça; que era mais ou menos a quantidade que queríamos transfundir para o homem”. E a descrição prossegue dizendo que a seguir se fez a incisão no braço do jovem e foi iniciada a transfusão directamente da ovelha para o homem. Portanto, o primeiro sangue retirado, parece ter sido para dar uma ideia em relação à quantidade de sangue que sairia, tendo em conta o calibre do tudo inserido. Mais à frente refere que “o doente não sentiu calor no braço à passagem do sangue, o que pode ser devido ao aumento da extensão do tubo. O homem, após esta operação sente-se muito bem, disso dando testemunho escrito, do benefício recebido, mais do que seriam as nossas expectativas. Dentro de três ou quatro dias, vamos repetir esta experiência”. (O que veio a acontecer).

Nesta época já William Harvey tinha dado a conhecer o seu tratado sobre a circulação do sangue “Exercitatio Anatomica de Motu Cordis et Sanguinis in Animalibus”, em 1628, normalmente conhecido como “De Motu Cordis”. A comunidade médica ficou a saber quais os mecanismos essenciais da circulação sanguínea, nos animais, a dupla circulação e a função do coração, pondo fim a teorias com centenas ou milhares de anos, que iam desde a passividade/estagnação, a movimentos oscilatórios.

Grenada – 1973 – William Harvey

Ficavam para trás todas as teorias sobre a origem do sangue e o papel do coração. São já referidas a circulação arterial e venosa, e este novo conhecimento terá sido decisivo para que Jean-Baptiste Denis tivesse realizado a experiência.  Depois desta primeira experiência, seguiram-se mais duas: um trabalhador que terá sobrevivido e   um Barão sueco, Gustaf Bonde, que morreu após a segunda transfusão. O quarto doente a ser transfundido com sangue de ovelha foi um homem de 34 anos, Antoine Mauroy. Aparentemente, e pelas descrições feitas, o homem sofria de uma doença mental, provavelmente esquizofrenia, com crises muito duradouras, que o tornavam muito violento. Este homem tinha casado no ano anterior, após um período longo em que esteve bem, o que levou a mulher a pensar que o problema estava resolvido. O ressurgimento da doença, com crises ainda mais exacerbadas, fez com que recorresse a vários médicos e cirurgiões-barbeiros, que prescreveram sangrias e banhos quentes com várias plantas medicinais. Após dezoito sangrias, por extração directa e por sanguessugas, encontrava-se já num estado de grande debilidade e sem melhoria significativa. Nesta época acreditava-se que estes tipos de doenças mentais fossem provocados pela presença de sangue mau, pelo que, à luz dessa convicção, teria lógica o tratamento feito.

Não é certo o motivo que fez com que um dos secretários de Luis XIV se interessasse pelo caso e fosse pedir a Jean-Baptiste Denis que avaliasse a possibilidade de lhe fazer uma transfusão. Denis acedeu a fazê-lo, mas o resultado foi a morte do doente. A esposa haveria de culpar Jean-Baptiste pela morte e recorrer ao tribunal. Foi julgado em 18 de Abril de 1668 e considerado não culpado, tendo a esposa sido condenada por se ter provado que a causa de morte foi intoxicação com arsénico.

Este procedimento transfusional viria a ser proibido em 1670, por decreto real. Mas não fez diminuir o interesse que havia, e há, na possibilidade de administrar sangue para resolver problemas de saúde. O sangue era visto como o fluido vital, o único humor que “resiste”, 2500 anos depois de Hipócrates, que refere nas suas obras inúmeras vezes, como, por exemplo nos Prognósticos de Cos. Diz:” Nas crianças de sete anos a debilidade, acompanhada de palidez, respiração rápida ao caminhar, e vontade de comer terra, indicam corrupção do sangue e desfalecimento” [1]. Pode parecer estranha esta alusão à vontade de comer terra como indicadora de anemia. A geofagia pode estar relacionada com situações de debilidade, deficiência de elementos essenciais, como ferro e zinco, ou ainda transtornos psiquiátricos. Num artigo recente em The South African Health News Service (04/11/2016), é descrita a existência de grávidas viciadas nesta prática.

Em 1818, realiza-se a primeira transfusão entre humanos. É levada a cabo por James Blundell (1790-1877), obstetra inglês, para tentar resolver hemorragias graves no pós-parto. Fá-lo com ajuda de uma seringa, e os primeiros resultados não são animadores.

[1] Prognostics de Cos d’ Hippocrate , 339, tradução de M le Chavalier de Mercy – Paris -1815

 

Wellcome Collection – Retrato de James Blundell

Morreram as primeiras quatro mulheres que foram transfundidas. Continuou a utilizar o método, com alguns bons resultados, a par de outros catastróficos. No entanto tratava-se de pessoas com poucas hipóteses de sobrevivência, tendo em conta as perdas sofridas. Não era possível perceber porque é que nalguns casos as coisas corriam tão mal. Isto fez com que o método viesse a ser utilizado de forma um pouco irregular. O seu trabalho viria a ser publicado no Lancet de Junho de 1828.  Para além de lhe ser atribuída a primeira transfusão entre humanos, Blundell, publicou também duas obras de referência na área de obstetrícia e foi o primeiro a apresentar a laqueação de trompas como método de evitar gravidezes futuras.

 

 

Wellcome Collection – Transfusion apparatus used by Blundell, 19th Century

Em meados do século a transfusão de sangue é praticamente abandonada, após as primeiras experiências com a administração de soluções salinas, que permitiam, pelo menos parcialmente, corrigir muitas situações de perda de volemia.

Até que, em 1869, um estudante de medicina alemão, Adolf Creite, publica um trabalho que resulta de uma investigação feita por si: os glóbulos vermelhos humanos formam conglomerados quando em contacto com soro de gato, cão ou carneiro. Mas não sabia ainda como explicar porque se dava este fenómeno. A princípio pensou-se na possibilidade de existência de uma substância química responsável, e mais tarde pela proteína do soro.

Em 1875, Leonard Landois, investigador da Universidade de Greifswald, na Alemanha, publica um trabalho sobre a transfusão sanguínea, onde demonstra a lise de células in vivo, e a sua aglutinação in vitro. Ao contrário de Creite, Landois acreditava que os fenómenos de lise e aglutinação eram provocados pela percentagem diferente em que se encontravam os vários elementos, entre dador e receptor.

A descoberta do sistema imunológico, sobretudo após os trabalhos do microbiologista alemão Emil Von Behring (1854-1917) e do bacteriologista japonês Shibasaburo Kitasato (1852-1931), com a descrição de anticorpos específicos para o tétano, permitiu que a investigação tomasse um rumo diferente.

Transkei – 1991 – Behring e Kitasato

Karl Landsteiner, médico e biólogo austríaco (1868-1943), em 1900, descobre um sistema de aglutininas no sangue e identifica três grupos sanguíneos, tendo o quarto tipo sido identificado algum tempo depois. Landsteiner viria a ser galardoado com o Prémio Nobel da Medicina em 1930.

Áustria – 1968 – Centenário do nascimento de Landsteiner

Os seus primeiros trabalhos viriam a ser publicados na Science de Abril de 1931.

A descoberta de Landsteiner, hoje reconhecida de capital importância, só viria a ter aceitação generalizada pelos anos 20. Depois dos seus trabalhos, vários grupos de pesquisa replicaram e aprofundaram as suas investigações, propondo até novas nomenclaturas para a classificação dos diferentes grupos sanguíneos. A presente terminologia, ABO, viria a ser adoptada no Congresso da International Society of Blood Transfusion, em 1937.

Os dados referentes à possibilidade de associação de determinado grupo sanguíneo com grupos étnicos, ou raça, postos em equação no final da Grande Guerra, viriam a ser manipulados durante a época nazi, levando à proibição de transfusão de sangue de não arianos para arianos. Mas não só na Alemanha. Nos EUA a transfusão inter rácica foi proibida até aos anos 60. Ainda nos anos 50, foi aprovada uma lei no Louisiana, que condenava o médico responsável por uma transfusão de um negro para um branco, sem consentimento deste.

Desde então, de acordo com o tipo de antigénios encontrados, outras classificações foram aparecendo,  permitindo uma maior refinação na escolha de elementos compatíveis.

Uma referência a Alexis Carrel, cirurgião vascular francês, que desenvolveu uma técnica de transfusão directa, por anastomose entre a artéria do dador e a veia do receptor, ultrapassando, assim, o problema da coagulação em quantidades um pouco maiores. Havia, no entanto, a dificuldade de quantificar o sangue transfundido. Recebeu o Prémio Nobel da Medicina em 1912, e ficou também célebre pela sua obra: “O Homem Esse Desconhecido”.

Suécia – 1972 – Alexis Carrel

A possibilidade de transfusão sanguínea será uma das maiores conquistas da Medicina, e uma forma insubstituível para salvar vidas. A recolha, conservação e transporte de unidades de sangue, permitem hoje uma disponibilidade de socorro, indispensáveis, quer em situações e acidentes, cirurgias, doença crónica, etc. Por isso se multiplicaram as associações de dadores e apelos à dádiva voluntária e solidária. E a Charles Drew (1904-1950), médico americano se devem os principais progressos no processo de armazenamento de sangue, que permite ser utilizado quando necessário.

Mas foi longo, o caminho.

Bibliografia

Paul L.F. Giangrande – The History of Blood Transfusion – British Journal of Haematology, 2000, 110, 758-767

Steven I. Hajdu – A Note from History – Blood Transfusion From Antiquity to the Discovert of Rh Factor – Annals of Clinical & Laboratory Science – Vol 33 nº4, 2003

Pete Moore – Blood and Justice – Ed. John Wiley & Sons, Ltd – 2003

Garrison – History of Medicine – W. B Saunders Company  – Fourth Edition 1960

Guthrie – A History of Medicine – J.B. Lippincott Company – 1946

 

 


3 Replies to “200 anos da primeira transfusão de sangue entre humanos”

  1. “A falta de um medicamento fundamental, a oxitocina, nos hospitais, (Guiné)” um pormenor que não me passou despercebido. Ainda hoje, na África que conheço, não há luvas, não há seringas, não há soro… nos hospitais. Só na “farmácia” ao lado. A saúde não é para todos.

  2. Uma boa informação para perceber o que se passa aqui… Os hospitais ainda andam no “XIX”, mas nas farmácias ao lado o “I” já passou para a direita do “X”. Coisas.
    Abraço

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