Esperanto – o sonho de um homem
LAZAR ZAMENHOF
O criador do Esperanto
1859-1917
Lazar Markovitch Zamenhof (ou Ludwik Lazarus Zamenhof, nome que adoptou mais tarde e como era mais conhecido), nasceu a 15 de Dezembro de 1859, em Bialystok, cidade do nordeste da Polónia, que à época pertencia ao Império Russo, no seio de uma família judaica.
Nesta região, para além de uma forte e maioritária comunidade judaica, coexistiam minorias polonesas, russas, germânicas e bielorrussas. Como consequência, falavam-se na região uma multiplicidade de dialectos, que muitos estudiosos apontam como factor motivador para Zamenhof criar o Esperanto. Bialystok é, também, a terra natal de uma figura maior da História da Medicina: Albert Sabin (1906-1993), que emigrou para os EUA e foi responsável pelo desenvolvimento da última vacina contra a poliomielite. A economia desta região tinha como principal motor a indústria têxtil, onde trabalhava uma parte significativa dos habitantes, e que lhe valia o título de “Manchester do Norte”.
Os primeiros anos de Zamenhof foram passados em Bialystok, onde frequentou a escola e os primeiros anos do ensino secundário. Em 1873 a família foi para Varsóvia, e aí completou os estudos secundários. Terá sido por esta altura que começa a amadurecer a ideia de criar uma língua que pudesse ser difundida por toda a humanidade. Seria uma segunda língua, que permitisse a compreensão entre todos os homens, mas que não viria substituir todas as existentes. O projecto não era o primeiro nesta área, já que, pelo menos desde o sec XVII, várias tentativas tinham sido feitas no sentido de criar uma interlíngua (Leibniz e Descartes, por ex.). A que teve mais sucesso, antes de Zamenhof, foi o Volapük, criada pelo alemão Martin Schleyer, no sec XIX, que chegou a ter um número considerável de seguidores.
O Senhor desceu para ver a cidade e a torre que os homens estavam construindo. E disse o Senhor: “Eles são um só povo e falam uma só língua, e começaram a construir isso. Em breve nada poderá impedir o que planeiam fazer. Venham, desçamos e confundamos a língua que falam, para que não entendam mais uns aos outros”. Assim o Senhor os dispersou dali por toda a terra, e pararam de construir a cidade. Por isso foi chamada Babel, porque ali o Senhor confundiu a língua de todo o mundo. Dali o Senhor os espalhou por toda a terra.
Gênesis 11:5-9
Esta ideia de criar uma língua universal, que pusesse termo a esta Babel, não foi bem aceite, tanto pelo seu pai como pelos seus professores (um destes chegou mesmo a dizer que se tratava de um caso de loucura). Além disso, muitos críticos diziam que não se tratava de facto de uma língua universal, mas sim pan-europeia, já que deixava de fora a maior parte dos povos (línguas asiáticas e africanas, por ex.), e só muito residualmente adoptava como raízes palavras eslavas na sua construção.
Em 1879, Zamenhof foi para Moscovo, frequentou Faculdade de Medicina, tendo como condiscípulo Anton Tchekov. A par dos estudos médicos, continuou a debruçar-se sobre o estudo da linguística, e em 1882 realizou um estudo gramatical sobre o Yidish (língua falada principalmente pelos judeus do centro/norte da Europa), que se manteve inédito por muito tempo. Quando se encontrava em Moscovo viu alguns dos seus trabalhos serem destruídos pelo próprio pai.
Voltou a Varsóvia para terminar os estudos médicos, em consequência da instabilidade política na Rússia, onde os judeus estavam a ser vítimas de vários pogroms, dos mais graves de toda a história do povo judeu, sobretudo entre 1882 e 1884 (em 1906 seria a vez de Bialystok, ainda pertencente à Rússia, ser alvo de um violento pogrom, que fez um grande número de vítimas). Em 1885 terminou a sua especialização em oftalmologia, mantendo em paralelo o trabalho de concepção da “língua universal”, que deveria, segundo ele, obedecer a determinadas regras: ser facilmente adoptada por todas as classes, com vocabulário simples, através de raízes a que se apõem afixos, e gramaticalmente simples. O seu conhecimento de várias línguas permitia-lhe ter esta visão global sobre o que pretendia.
E no ano de 1885 dá a conhecer o Esperanto, que tem, a sua raiz na palavra “esperança”. O Esperanto é, portanto, uma interlíngua parcialmente artificial, já que se serve de elementos e regras de várias línguas, utilizando apenas 16 regras gramaticais, reduzindo o vocabulário básico e permitindo através da sua composição um grande número de novas palavras. Em 1887, após muitas dificuldades para encontrar um editor disposto a publicar a obra, recorrendo à ajuda financeira do sogro, é publicado o livro “Mezdunarodnyj Jazyk” (“Língua Internacional”), sob o pseudónimo “Dr. Esperanto”.
Foi traduzido em várias línguas e ficou conhecido como “Unna Libro” (“Primeiro Livro”). No ano seguinte publica “Dua Libro de l’ Lingvo Internacia” (“Segundo Livro da Língua Internacional”), que é um complemento do primeiro e reflecte alguns problemas que, entretanto, lhe foram colocados.
Em 4 de Janeiro de 1907, após um pedido de colaboração que lhe é dirigido, Zamenhof publica na North American Review um artigo intitulado “What is Esperanto?”, em que caracteriza os fundamentos e objectivos da língua: “O Esperanto é uma língua neutral, muito fácil de aprender, que não é propriedade de nenhuma nação e pertence, por direito, a todo o mundo. Tem como objectivo ajudar todos os homens a compreender-se”.
Sob a sua direcção, é publicado em 1889 o primeiro numero do jornal “La Esperantisto”, de divulgação da língua.
Apesar da Liga Esperantista Internacional não ter tido um grande êxito, os seus seguidores fundaram diversos núcleos em muitos países, cuja existência, nalguns casos, não foi pacífica. Em Portugal, por exemplo, o Estado Novo proibiu a sua existência em 1936, encerrando todos os centros esperantistas, por considerar que eram “focos de comunismo”. É verdade que a partir do fim da 1ª Guerra, o Esperanto começou a ser mais divulgado junto de movimentos operários, e a ser pensado como ponte para as novas ideologias políticas. Numa conferência realizada em Lisboa em 1971, dizia Adolfo Nunes: “Por teimosia ou falta de informação das autoridades, o movimento esperantista em Portugal, tem sido há longos anos hostilizado, interdito ou, como agora, simplesmente tolerado. Presentemente, o nosso país é o único no mundo, onde o ensino da Língua Internacional não se encontra autorizado e onde se não permite o funcionamento de órgãos coordenadores de propaganda. Apenas em 1972 voltariam a ser autorizados os centros esperantistas no nosso país. Também os nazis consideravam o Esperanto e o Homaranismo como “armas usadas pelos judeus para dominar todos os outros povos”. O Homarismo, filosofia de base humanista (“homarismo” significa “humanismo” em Esperanto), criada por Zamenhof, que ele começou por classificar como Hilelismo, de acordo com os ensinamentos de Hilel, o Velho, líder religioso judeu que viveu antes da era cristã, pretendia ser uma ideia de paz e boa convivência entre todos os povos.
Em Agosto de 1905 tem lugar o Primeiro Congresso Universal de Esperanto, em Boulogne-sur-Mer, com a presença de cerca de 700 congressistas, em que a língua de trabalho foi o Esperanto. Aqui, Zamenhof divulgou os grandes objectivos do esperanto, e foi adoptada a bandeira: rectangular com fundo verde e uma estrela de cinco pontas, verde, em fundo branco num dos cantos. O simbolismo da estrela de cinco pontas, como se sabe, é muito diverso, mas, neste caso, o pentagrama parece estar relacionado com os cinco continentes. A cor simboliza a esperança que está na raiz do nome da língua.
Desde então este congresso tem vindo a realizar-se anualmente, com interrupções nos períodos correspondentes às duas guerras do Sec. XX.
Em 1909 teve lugar em Budapeste um Congresso Médico Internacional, em que uma das línguas de trabalho foi o Esperanto.
E Zamenhof, o médico? Como foi a sua vida profissional? Depois de ter iniciado a sua vida profissional em Brest (actualmente pertencente à Bielorrússia) e Bialystok ( sua terra natal), abriu uma clínica em Varsóvia , mas com pouco sucesso, já que não era muito procurado pelos doentes. Rumou então a Grodna, onde se manteve durante cerca de quatro anos, e voltou a Varsóvia por insistência da família, para ser possível dar uma melhor educação aos filhos. O tempo vivido em Grodna terá sido o mais proveitoso, como médico. Naturalmente que a sua prática médica se ressentiu do empenho que pôs na criação da língua universal. Como várias vezes referiu, não era tão procurado pelos doentes, como acontecia com os seus colegas que trabalhavam em Varsóvia. Numa carta escrita a A. Michaux em 1905 dizia: “O Esperanto engoliu grande parte do dinheiro da minha mulher, e o que ganho com o exercício da medicina é terrivelmente pouco”. Apesar das dificuldades era o único oftalmologista de Varsóvia que dedicava um dia por semana a tratar os pobres que não podiam pagar os seus cuidados.
Zamenhof sempre se orgulhou das suas raízes judaicas, tendo seu pai, Mark Zamenhof, sido secretário-geral, e mais tarde presidente, da Organização Sionista Mundial. Foi um defensor da causa judaica e um “entusiasta sionista”, durante a juventude como ele mesmo dizia. Foi activista do movimento Chibat Zion (Amor a Sião). Mais tarde acabaria por pôr em causa esta via como a mais adequada para os interesses judaicos, o que lhe valeu também alguns dissabores, junto de uma facção da sua comunidade.
Fica, pois, o seu grande legado, o Esperanto, que, apesar de uma grande difusão, não atingiu, no entanto, os objectivos que preconizou, isto é, tornar-se a segunda língua de todos os homens. Mas continua a ter estudiosos e seguidores em todo o mundo e teve o seu 103º Congresso Universal em Lisboa, em 2018.
Lazarus Zamenhof morreu em 14 de Abril de 1917, em plena Grande Guerra, aparentemente por insuficiência cardíaca, e está sepultado no Cemitério Judaico de Varsóvia. Os seus três filhos foram mortos pelos nazis no decurso da II Grande Guerra.
Túmulo de Zamenhof no Cemitério Judaico de Varsóvia
Bibliografia
Aleksander Korzhenkov – The Life of Zamenhof – Ed. Mondial e Universal Esperanto Association , 2009
Albert Léon Guerard – A Short History of The International Language Movement – Ed. Boni and Liveright – New York, 1921